Antes de considerarmos as razões para estudar
a Bíblia, faz-se necessário fazê-lo antecipando com duas razões invocadas para não se estudar a Bíblia. Essas “razões” frequentemente
revelam mitos como truísmos por força de constante repetição. Ou seja, há o
perigo de repetirmos algo constantemente aponto de tornar-se verdade.
1) A Bíblia é de difícil compreensão.
Há pessoas que evocam o mito de que as
Escrituras Sagradas são tão difíceis de compreender que apenas teólogos
altamente especializados e com treinamento técnico podem ocupar-se de seu
estudo.
É claro que na Escritura não são todas as coisas
igualmente claras em si, nem do mesmo modo evidentes a todos (2Pe 3.16; Jo
16.17; 6.60); contudo, as coisas que precisam ser obedecidas, cridas e
observadas para a salvação, em um ou outro passo da Escritura são tão
claramente expostas e explicadas, que não só os doutos, mas ainda os indoutos,
no devido uso dos meios ordinários, podem alcançar uma suficiente compreensão
delas (Sl 119.105; At 17.11,12).
Quando os reformadores afirmavam a perspicuidade ou clareza das Escrituras não queriam dizer que tudo nelas é claro.
Eles sustentavam que a Bíblia é basicamente lúcida e clara. É simples o
bastante, permitindo a qualquer pessoa alfabetizada entender sua mensagem básica. Isto não significa que
todas as partes da Bíblia sejam igualmente claras ou que não haja nela
passagens e textos difíceis. Leigos não familiarizados com as línguas originais
e minúcias da exegese poder sentir dificuldades com alguns de seus textos, mas
o conteúdo essencial é suficientemente claro podendo ser compreendido com
facilidade. Martinho Lutero, por
exemplo, estava convicto de que o material obscuro e de difícil compreensão
numa passagem é apresentado de forma mais clara e simples em outras partes das
Escrituras.
Observamos que o etíope confessou
sua necessidade de que alguém lhe explicasse as Escrituras (cf. At 8.31); Pedro
confessa que as cartas de Paulo contêm “...pontos
difíceis de entender...” (2Pe 3.16). Os próprios profetas não compreendiam
certas implicações de suas mensagens (cf. 1Pe 1.11). Esdras se serviu de
auxiliares para declarar e explicar o sentido da Lei do SENHOR,
para que lendo, “...se entendesse...”
(cf. Ne 8.8).
A insistência dos reformadores era
no fato de que a essência da mensagem bíblica – que a salvação vem pela graça,
por meio da fé – é simples o suficiente para ser entendida até pelos iletrados.
Daí a determinação deles de pôr a Bíblia vernácula nas mãos dos leigos. John Owen afirmava: “Nas Escrituras
divinas, há vaus e profundezas; vaus onde o cordeiro pode passar, e profundezas
onde o elefante pode nadar”. Em outras palavras, nas profundezas das Escrituras
tanto o crente mais simples quanto o teólogo mais competente podem se deleitar
nas verdades da Palavra de Deus sem, contudo esgotá-la.
O Cristianismo bíblico não é uma
religião esotérica. As Sagradas Escrituras não é um compêndio de enigmas. Seu
conteúdo não está oculto em símbolos vagos que requerem um tipo especial de
“percepção” para decifrá-las. Não há necessidade de nenhuma proeza intelectual
ou dom espiritual para compreender a mensagem básica das Escrituras, mas
somente a iluminação do Espírito Santo de Deus (cf. Jo 14.26; 16.13; 1Co
2.12,13; 1Jo 2.20,27).
2) A Bíblia é enfadonha.
Tal afirmação reflete não tanto uma
incapacidade de entender o que está escrito, mas um gosto e uma preferência por
aquilo que se considera interessante ou empolgante. Há alguns que citam o texto
de Ec 12.12, interpretando-o erroneamente, para apoiar essa posição. Só
consideramos algo como enfadonho quando não nos interessa. Se afirmarmos tal
coisa é porque precisamos de um genuíno arrependimento. Precisamos mudar nossa
mente a respeito deste particular.
Somente os insensatos rejeitam, desprezam e
endurecem seus corações e não ouvem e entendem as Palavras do Senhor (Sl 50.17;
Is 5.24; Jr 6.10; 26.23; Zc 7.12).
Atitudes dos Ímpios quanto à Bíblia.
Desprezam-na
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Am 2.4.
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Esquecem-se dela
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Os 4.6.
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Abandonam-na
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2Cr 12.1; Jr 9.13.
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Recusam-se dar-lhe
ouvidos
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Is 30.9; Jr 6.19.
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Recusam-se a anda nela
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Sl 78.10.
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Rejeitam-na
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Is 5.24.
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3) Razões erradas para um estudo das
Escrituras.
Como pode ser observado, infelizmente, há
aqueles que estudando as Escrituras Sagradas são levados a fazê-lo com
motivações erradas. Quando assim sucede somos prejudicados em vez de
beneficiados pelo estudo das Escrituras. Eis alguns exemplos:
a) Alguns estudam as
Escrituras a fim de satisfazerem seu orgulho literário. Neste ponto as pessoas
são envolvidas apenas por um intelectualismo árido. Têm luz na mente, mas não
têm fogo no coração.
b) Outros estudam a Bíblia
para satisfazer seu senso de curiosidade, como o fariam com qualquer outro
livro famoso. Pode
ser dito que: As Sagradas Escrituras não nos foram dadas a fim de satisfazer
nossa curiosidade intelectual e nem nossas especulações carnais, e, sim, para
habilitar-nos para toda a boa obra, e isso mediante o ensino, a reprovação e a
correção com toda longanimidade (cf. 2Tm 3.16,17; 4.2).
c) Ainda outros estudam
para satisfazer seu orgulho sectarista.
d) E por fim, há aqueles
que estudam o Livro Sagrado com a finalidade de argumentar com êxito com
aqueles que discordam de suas opiniões.
Podemos contrastar todos estes motivos
errôneos com a exortação do apóstolo Pedro:
“desejai ardentemente, como crianças recém-nascidas, o genuíno leite
espiritual, para que por ele vos seja dado crescimento para salvação, se é que
já tendes a experiência de que o Senhor é bondoso.” (1Pe 2.2,3). Devemos
estudar as Escrituras em vista o crescimento
para a salvação. Este é nosso alvo.
4) Razões para um estudo proveitoso das
Escrituras.
a) Devemos estudar as
Escrituras porque “...nem só de pão
viverá o homem, mas de toda a Palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4.4).
b) O povo de Israel
deveria estudar as Escrituras – ensinando,
falando, atando e escrevendo – para “...que
não te esqueças do SENHOR, que te tirou da terra do Egito, da casa da servidão”
(cf. Dt 6.6-9,12).
c) Há necessidade de
estudar-se as Escrituras “...como obreiro
que não tem de se envergonhar, que maneja bem a Palavra da verdade” (2Tm
2.15).
d) Precisamos estudar
devagar as Sagradas Letras “...que podem
fazer-te sábio para a salvação, pela fé que há em Cristo Jesus ”
(2Tm 3.15). As Escrituras é o poder de Deus para a salvação (cf. Rm 1.16).
e) Devemos estudar as
Escrituras “...como meninos novamente
nascidos...”, que anelam ardentemente “...
o leite racional, não falsificado, para que por ele vades crescendo para a
salvação” (1Pe 2.2 ARA).
O estudo detido da Palavra de Deus torna-se
de suma importância para o crescimento do líder cristão salvo em Cristo Jesus.
Quando o cristão ou obreiro/líder anela/deseja intensamente
pela Palavra de Deus, ou seja, tem prazer na Lei do SENHOR e na Sua Lei medita
de dia e de noite (cf. Sl 1.2), como crianças que almejam afetuosamente o leite
materno, chegará a um alvo concreto. O leite racional da Palavra de Deus
objetiva o crescimento para a salvação.
O crescimento não é obra dos obreiros ou dos líderes, mas lhes é dado por Deus
(cf. 1Co 3.6). “O crescimento é para a salvação, que é o alvo do processo (1Pe
1.9). Para Pedro a salvação é colocada no fim dos tempos (cf. 1Pe 1.5), sendo
trazida quando Cristo vier novamente ao mundo (1Pe 1.13); atualmente, para os
crentes, é objetivo de “viva esperança”
(cf. 1Pe 1.3)”.
Nesta sequência temos a afirmação de Paulo: “Tem
cuidado de ti mesmo e da doutrina. Persevera nestas coisas; porque, fazendo
isto, te salvarás, tanto a ti mesmo como aos que te ouvem” (1Tm 4.16).
Se realmente quisermos ser uma bênção para a
obra de Deus, nós ministros, diáconos, presbíteros – naquela época Timóteo –,
devemos casar o viver santo – “Tem
cuidado de ti mesmo...” – e o ensino íntegro – “...e da doutrina”. Aqui o obreiro/líder é admoestado por Paulo a
continuar atentando para si mesmo, ou
seja, para seus deveres, sua vida, seus dons, seu privilégio de atingir as
profundezas da promessa de Deus – “...te
salvarás...”; particularmente, também, para a doutrina. O líder precisa permanecer
ou perseverar nessas coisas, ou seja,
na vida santa e na vigilância em referência ao ensino. A promessa é: “...porque, fazendo isto, te salvarás, tanto
a ti mesmo como aos que te ouvem”. Não há dúvidas de que a salvação não se
consegue por meio das obras (cf. Tt 3.3; Ef 2.6-8); todavia, uma vez que o
viver santo e a sã doutrina são o fruto da fé, Paulo está apto a dizer que “ao
agir assim” o líder salvará a si e aos seus ouvintes.
O líder deve também desenvolver a salvação com temor e com tremor (cf. Fp 2.12), ou
seja, levá-la à sua conclusão, digeri-la completamente e aplicá-la ao viver
diário. Deve envidar todo esforço para produzir o fruto do Espírito Santo (cf.
Gl 5.22,23). O líder deve almejar nada menos que a perfeição moral e
espiritual.
William
Hendriksen afirma sobre o texto de Filipenses 2.12 que: Não nos equivocamos ao afirmarmos que, em tal contexto, o tempo do verbo indica
que Paulo tinha em mente a ideia de um
esforço contínuo, vigoroso, estrênuo: “Continuai a operar (=a
desenvolver)”. Os crentes não são salvos de um só golpe, por assim dizer. Sua
salvação é um processo (cf. Lc 13.23;
At 2.47; 2Co 2.15). É um processo no sentido em que eles mesmos, longe de
permanecerem passivos ou inativos, tomam parte ativa. É um prosseguir, um seguir após, um avançar com determinação, uma contenda, uma luta, uma corrida (vd.
Fp 3.12; também Rm 14.18; 1Co 9.24-27; 1Tm 6.12).
É Deus quem está operando em nós esta tão
grande salvação (cf. Fp 2.13). Se não fosse o fato de Deus estar operando em
nós, jamais estaríamos a operar a nossa própria salvação.
f) É preciso debruçar-se
no Livro Sagrado, pois é “a palavra de
Deus, a qual também opera em vós, os que crestes” (1Ts 2.13).